A década de 2010 está chegando ao fim com um avanço na forma de pensar da sociedade: maior aceitação e naturalização de beijos entre pessoas do mesmo sexo na televisão. Apesar dos momentos ainda acontecerem com baixa frequência e ainda sofrerem represálias por uma parcela do público, a Globo – quase que exclusivamente – vem abrindo o caminho para casais gays se beijarem em suas novelas.
O que antes era pensado somente para o horário nobre, como forma de panfletagem social, logo se estendeu de maneira natural entre diversos casais por todos os horários.
Histórico
Nos anos 1980 e 1990, alguns autores, como Gilberto Braga e Sílvio de Abreu, tentaram sensibilizar o público com casais homossexuais, mas todos foram rejeitados. Em alguns casos, como “Vale Tudo” (1988) e “Torre de Babel” (1998), personagens lésbicas morreram. Na primeira trama, Leila (Cristina Prochaska) viu sua companheira Cecília (Lala Deheinzelin) morrer em um acidente que pouco (ou nada) acrescentou à história. Já na segunda novela, o caso foi mais grave: as lésbicas vividas por Christiane Torloni e Sílvia Pfeifer tiveram que morrer na explosão do shopping da história, tamanha rejeição que sofriam.
Sílvio de Abreu ainda viu “A Próxima Vítima” (1995) ter o núcleo de um casal gay e interracial (André Gonçalves e Lui Mendes) sofrer não só com a homofobia, mas também com o racismo do público conservador.
Verdade seja dita: o público só comprou um casal gay pela primeira vez em “Mulheres Apaixonadas” (2003), com Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli). Um discreto selinho cenográfico das duas, que interpretavam Romeu e Julieta na peça de teatro do colégio, coroou o final feliz das jovens.
Mais tarde, alguns poucos e discretos selinhos entre Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christhe) também marcaram “Senhora do Destino” (2004). O caso mais memorável dessa época foi, no entanto, o de “América” (2005): Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) se beijaram no último capítulo da trama, até então considerada a de melhor abordagem dos tabus da homofobia. No entanto, a Globo, contrariando a autora Glória Perez, simplesmente limou o momento romântico entre os rapazes, que era o grande trunfo do último capítulo da novela.
Mais alguns casos meramente panfletários de casais gays deram as caras em novelas do horário nobre, como em “Páginas da Vida” (2006), “Paraíso Tropical” (2007) e “Insensato Coração” (2011), com casais que mais pareciam amigos do que namorados. Outras tramas abusaram da caricatura e do desserviço, como “Duas Caras” (2007), “A Favorita” (2008) e “Fina Estampa” (2011). Melhor não citar.
Amor e Revolução
Antes mesmo da Globo, o SBT quebrou o tabu no início da década. Em 2011, na novela “Amor e Revolução”, controversa trama sobre a Ditadura Militar, foi exibido um beijo lésbico entre as personagens de Luciana Vendramini e Giselle Tigre. Longo e muito elogiado na época por sua ousadia.
Amor à Vida
Apesar do significativo avanço que a trama do SBT registrou, é fato que o beijo gay só passou a ser levado a sério quando foi ao ar na novela das 21h da Globo: e a sortuda foi “Amor à Vida” (2013). No decorrer da história, o vilão Félix (Mateus Solano) se tornou o queridinho do público, e o autor Walcyr Carrasco desistiu de matá-lo, principalmente devido à falta de carisma dos mocinhos Paloma e Bruno (Paolla Oliveira e Malvino Salvador), que se tornaram coadjuvantes. Félix se redimiu e teve um final feliz com seu amado Carneirinho (Thiago Fragoso), coroado por um beijo, seguido de uma marcante cena de reconciliação entre o filho gay rejeitado e o pai homofóbico, César (Antônio Fagundes).
Em Família
Pegando o embalo, em sua última novela no horário nobre, Manoel Carlos voltou a criar um popular casal lésbico: Marina (Tainá Müller) e Clara (Giovanna Antonelli) se beijaram três vezes durante a trama. A primeira, no pedido de casamento da fotógrafa à sua amada, incendiou as redes sociais na época.
Império
Na sequência, Aguinaldo Silva se rendeu. Antes, o autor dizia, em tom bem-humorado, que não permitia beijos gays em suas novelas, “só em sua casa”. No entanto, ele decidiu investir em Cláudio (José Mayer) e Léo (Klebber Toledo). Para frustração do dramaturgo, o beijaço escrito e gravado foi vetado, mas mais tarde ele conseguiu levar ao ar um beijo mais discreto entre os dois.
Babilônia
O lendário caso da novela que, muitos acreditam, ter sido o maior fracasso da história da Globo justamente por sofrer um boicote dos religiosos e conservadores. Em seu primeiro capítulo, a trama de Gilberto Braga chocou ao exibir um beijo lésbico entre duas idosas: Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. As duas se beijaram mais algumas vezes nos primeiros capítulos, mas em função da extrema rejeição, a Globo pediu que os beijos fossem deixados de lado. O caso foi tão grave que um personagem gay da trama, Carlos Alberto (Marcos Pasquim), se tornou hétero e se envolveu com a mocinha Regina (Camila Pitanga). No último capítulo, sem mais nada a perder, foram exibidos novos beijos entre as senhoras lésbicas e também entre o casal formado por Ivan (Marcello Mello Jr.) e Sérgio (Cláudio Lins).
Felizes Para Sempre?
A ousada minissérie exibiu a primeira cena de sexo lésbico da dramaturgia brasileira: aconteceu entre as personagens Danny Bond (Paolla Oliveira) e Marília (Maria Fernanda Cândido).
Verdades Secretas
Em um dos momentos finais da trama, durante o casamento da protagonista Angel (Camila Queiroz), aconteceu um rápido e intenso beijo entre duas personagens coadjuvantes, Stephanie (Yasmin Brunet) e Mayra (Rhaisa Batista).
Liberdade, Liberdade
A superpolêmica primeira cena de sexo entre dois homens da dramaturgia brasileira aconteceu na novela das 23h de Mário Teixeira: André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) tiveram picantes momentos juntos, mas não tiveram um final feliz.
A Força do Querer
A novela que tão bem abordou a questão de identidade de gênero trouxe à telinha os conflitos de um homem trans gay, Ivan (Carol Duarte). Depois de passar por seu processo de redesignação sexual, o jovem beijou, na praia, no último capítulo, seu grande amor, Cláudio (Gabriel Stauffer).
Os Dias Eram Assim
Na supersérie de 2017, Rudá (Konstantinos Sarris) e Leon (Maurício Destri) se beijaram, mas a cena de sexo foi vetada.
O Outro Lado do Paraíso
Na última semana da novela, sem nenhum alarde ou aviso prévio, em uma cena de reconciliação entre o casal Samuel (Eriberto Leão) e Cido (Rafael Zulu), aconteceu um beijão entre os rapazes. O núcleo, contudo, sofreu duras críticas durante toda a exibição da trama, por tratar do assunto sem seriedade e com uma comédia pastelão pouco engraçada. Foi o primeiro beijo gay interracial da dramaturgia brasileira.
Malhação Viva a Diferença
As adolescentes Samantha (Giovanna Grigio) e Lica (Manoela Aliperti) se descobrem bissexuais e têm um romance, com direito a muitos beijos. As meninas são o casal gay com maior número de beijos da dramaturgia brasileira. Elas também fizeram sexo na novelinha.
Segundo Sol
Frequentemente criticado pro aplicar “curas gays” em personagens homossexuais, o autor João Emanuel Carneiro não deixou essa negativa característica de lado em sua mais recente trama: a policial Maura (Nanda Costa) se mostra lésbica convicta, apaixonada por Selma (Carol Fazu). No desenrolar da história, ao engravidar do parceiro de trabalho Ionan (Armando Babaioff) via inseminação artificial, a moça se descobre interessada pelo rapaz e os dois têm um envolvimento. No entanto, no final da história, as lésbicas terminam juntas. Teve beijo.
Malhação Vidas Brasileiras
Depois de Samantha e Lica, foi a vez de rolar um beijo entre dois meninos na novelinha. Os sorteados foram Santiago (Giovanni Dalpico) e Michael (Pedro Vinícius).
Orgulho e Paixão
Essa foi uma surpresa. Leve, despretensiosa e colorida, a novela de época falava sobre o amor em suas diferentes formas, com diversos casais que fizeram sucesso. No entanto, na metade da trama, um personagem coadjuvante, Luccino (Juliano Laham), passa pelo processo de autodescoberta da sexualidade. Sua amizade com o militar Otávio (Pedro Henriqeu Müller) se intensifica e os dois percebem-se apaixonados. Sofrem pela irrealização de sua paixão, em plena década de 1910, mas terminam juntos e felizes, com direito a beijo. Foi a primeira trama das 18h a abordar o assunto.
Bom Sucesso
Logo nos primeiros capítulos da atual trama das 19h, um beijo rápido e não anunciado entre Pedro (Rafael Infante) e William (Diego Montez) foi comemorado por internautas.
Malhação Toda Forma de Amar
Na última sexta (20), foi exibido um beijo entre Guga (Pedro Alves) e Serginho (João Pedro Oliveira), sendo a terceira temporada consecutiva da novelinha a ter o que antes parecia ser impossível.
Órfãos da Terra
Foi gravado e vetado um beijo entre Camila (Anaju Dorigón) e Valéria (Bia Arantes), o que gerou revolta nos fãs do casal nas redes sociais. Já foi gravado um novo beijo entre as moças, que promete ser exibido na última semana da novela das 18h.
Nada Será Como Antes
Na série exibida em 2016, teve beijo gay entre Bruna Marquezine e Letícia Colin.
Chapa Quente
A série, em seu último episódio, surpreendeu com um beijo entre Charles Paraventi e Tiago Abravanel.
A Grande Família
Em 2013, Tuco (Lúcio Mauro Filho), em uma encenação da peça “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, para provar à família que era um ator de verdade, topou beijar o galã Thiago Lacerda, em participação como ele mesmo.
Sob Pressão
A elogiada série médica da Globo também exibiu um beijo entre dois homens: Kelner Macêdo e Bruno Garcia.
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