Quem é noveleiro já deve ter parado pra analisar, em algum momento, as semelhanças entre duas novelas do mesmo autor: fato é que os principais novelistas brasileiros têm, cada um à sua maneira, um jeitinho particular de contar suas histórias.
Confira quais são os principais ingredientes utilizados por oito dos maiores autores de novelas do Brasil.
Manoel Carlos
Manoel Carlos é um cronista: abre mão do maniqueísmo clássico para contar histórias simples, do cotidiano, e mostrar como relações amorosas e familiares que poderiam ter acontecido com vizinhos ou amigos nossos poderia render uma ótima novela.
Os personagens de Maneco não são totalmente bons ou maus: suas heroínas costumam errar, trair e mentir; suas vilãs sofrem, amam e têm sentimentos. A principal característica de Manoel Carlos é entregar à sua protagonista o nome de Helena, devido à força mitológica do nome. Já foram sete atrizes as felizardas (Regina Duarte três vezes) a estrelarem tramas do escritor.
Além das sagas de suas Helenas, Maneco costuma abordar o cotidiano no bairro carioca do Leblon, abusar da bossa nova e da MPB nas trilhas sonoras e retratar os dilemas femininos para o amor, o sexo e a felicidade em um aspecto geral. Seus galãs costumam ser machistas e pegadores. A Helena costuma ter uma filha jovem, mimada, ingrata e arrogante (mas a maioria delas passou por um processo de amadurecimento após sofrer um grande trauma, seja uma leucemia, seja uma revelação bombástica).
O mershan social também está presente: alcoolismo é um tema recorrente, homofobia também. Fora isso, já discutiu a importância da doação de medula óssea, a violência contra a mulher, a violência urbana, a síndrome de Down, a tetraplegia, a prostituição e o celibato.
Glória Perez
A rainha do horário nobre também é uma adepta do mershan social e não é uma das maiores fãs do maniqueísmo. Mas ao contrário de Maneco, Glória Perez gosta de contar histórias mais fantasiosas, porém com doses cavalares de realismo: recortes de jornal costumam inspirar a autora, considerada ousada ao falar sobre assuntos sempre considerados à frente do tempo.
Em 1990, Glória inovou ao falar sobre fertilização assistida; em 1995, foi até caçoada ao iniciar um romance entre duas pessoas através da internet; em 2001, abordou a clonagem humana. Para além disso, a autora costuma propor reflexões sociais sobre diversas temáticas, como a dependência química, a esquizofrenia, o tráfico de pessoas, a doação de órgãos, a deficiência visual, o vício em jogos, o crime organizado e a transexualidade.
Glória também não dispensa abordar outras culturas (já teve novela no Marrocos, na Índia e na Turquia, já falou sobre ciganos e também sobre muçulmanos). Em razão disso, não é incomum o uso de bordões, dancinhas e roupas exóticas nos núcleos de suas tramas. É recorrente também um bar com personagens bem-humorados e a Gafieira Estudantina como point dos personagens da novela.
Benedito Ruy Barbosa
Benedito Ruy Barbosa é considerado de estilo único: adora contar histórias rurais, sertanejas. Uma mescla de causos e lendas ouvidas em rodas de viola em andanças pelo interior do Brasil com discussões ácidas sobre o direito à terra e reforma agrária costumam dar a síntese das histórias de amor bucólicas contadas pelo escritor.
Com novelas ambientadas no Pantanal, na Bahia, no Mato Grosso, em São Paulo ou no Espírito Santo, o autor gosta de homenagear as belezas naturais do Brasil em cenários como fazendas. A figura de um coronel autoritário é indispensável para a discussão da exploração do trabalhador da terra e a crítica política. Ruy Barbosa também gosta do tradicional “Romeu e Julieta” caipira: membros de famílias rivais que se apaixonam.
Não raro, em novelas de época surgem sempre temas como a imigração e a construção da identidade do Brasil.
Gilberto Braga
Outro cronista, mas com viés social e político é Gilberto Braga, detentor de uma visão ácida sobre a elite brasileira. Seja em novelas de época ou contemporâneas, Braga gosta de colocar em xeque a construção do caráter do brasileiro e os limites da corda bamba entre ascensão social fácil e honestidade. Não à toa, sua principal novela é “Vale Tudo”, que questiona se “vale tudo” para se dar bem no Brasil. Mesmo sendo de 1988, a novela ainda é muito atual.
Geralmente ambientada em bairros como Leme e Copacabana, as novelas de Braga retratam uma elite corrompida pelo poder e disputas por dinheiro. Em meio a discussões sobre ética, surgem temas como cafetinagem, jornalismo sensacionalista, corrupção na política, racismo, homofobia e fundamentalismo religioso. Seus vilões costumam ser profundamente amorais e inescrupulosos, como Olavo (Wagner Moura), Renato Mendes (Fábio Assunção), Odete Roitman (Beatriz Segall) e Laura (Cláudia Abreu).
Novela de Gilberto Braga também precisa de um “quem matou?” misterioso para agitar a reta final da trama e uma alpinista social com viés cômico, mas como retrato da classe C emergente.
Aguinaldo Silva
Embora tenha seguido carreira em dois nichos diferente de novela, há um elo que une as tramas urbanas às histórias regionalistas de Aguinaldo Silva: o amor às raízes brasileiras e a necessidade de tornar o cenário da história um microcosmo do Brasil.
Personagens pitorescos e de forte apelo popular costumam povoar as tramas de Silva. Durante a década de 1990, o autor fez sucesso com novelas de realismo fantástico em cidadezinhas nordestinas onde tudo acontecia. Já nas tramas urbanas, ele não costuma abrir mão de um protagonista batalhador, que pode até ter ascendido e enriquecido, mas que tem origem humilde e forte ligação com o nordeste.
São frequentes referências ao mundo do jornalismo, bem como vilãs escrachadas e muito bem-humoradas. As últimas megeras do autor, aliás, tinham como principal aliada uma escada assassina, referência que Silva garante ter tirado de filmes de terror.
Sílvio de Abreu
Versátil, Sílvio de Abreu fez muito sucesso nos anos 1980 com comédias rasgadas. De repente, quando chegou ao horário nobre na década de 1990, surpreendeu com seu imenso talento para tramas soturnas de thriller: mistério, assassinatos e crimes.
Um elo une os dois principais focos narrativos do escritor: suas histórias são uma ode à cidade de São Paulo. Com a valorização de atores mais velhos em papéis principais, Sílvio não abre mão de uma empresa familiar sendo disputada, vilãs amorais, assassinatos, mortes falsas e “toques na ferida”, como a homofobia, o elitismo e a pedofilia.
Tudo se equilibra, mesmo em suas novelas mais densas, à comédia marcante com toque neorrealista: personagens emergentes, estereotipados e até mesmo em efeito de crossover (“Jamanta não morreu” e os “filhinhas” de dona Armênia são bons exemplos disso) costumam garantir o alívio cômico de suas histórias.
João Emanuel Carneiro
Embora novato, João Emanuel Carneiro já consolidou seu estilo: o tiro, a porrada e a bomba. O autor adora tramas ágeis, maniqueístas e cheias de reviravoltas de tirar o fôlego, com ritmo seriado.
Embates fortes costumam estar presentes e JEC não abre mão de vilãs com uma característica marcante: sempre são loiras. A vingança costuma ser o fio condutor de suas tramas em algum momento, e não são raros recursos como uma prisão injusta, uma falsa morte, um assassinato com requintes de crueldade ou um jogo de dubiedade entre bem e mal dentro de personagens considerados anti-heróis.
O autor também gosta muito de situar o submundo do lixão em suas tramas, e recorre a ex-ricos falidos em núcleos cômicos.
Walcyr Carrasco
O mais produtivo dos atuais autores, Walcyr Carrasco está todo ano no ar e já transitou em todos os horários da casa. Com versatilidade suficiente para conquistar bons números no Ibope em todas as faixas, Carrasco usa e abusa da catarse: suas tramas não caem na mesmice e costumam chegar ao fim bem diferente de como começaram, tamanha a quantidade de viradas de tirar o fôlego inclusas.
Carrasco transita entre o humor farsesco e pueril do horário das 18h e as soturnas abordagens de mazelas humanas na faixa das 23h. Seu estilo mais marcante, talvez, ainda é o que fez seu nome na Globo: o autor é ótimo em tramas de época, sobretudo na década de 1920, em cidadezinhas interioranas, com histórias de drama regadas a muito humor.
O núcleo da fazenda, com direito a humor pastelão (torta na cara, carro desgovernado e personagens caindo no chiqueiro), bordões, personagens pitorescos, vilões cômicos e a ode à literatura estão sempre presentes: Carrasco, com carreira como literário, gosta de beber de romances clássicos para contar suas histórias, como “O Conde de Monte Cristo”, “A Megera Domada”, “Candinho ou o Otimismo” e “A Divina Comédia”.
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