Após quase seis meses no ar, Órfãos da Terra chegou ao fim nesta sexta, (27). Com média geral de 22 pontos de audiência, a trama anotou números melhores que a antecessora, a elogiada Espelho da Vida, mas nem de longe alcançou o prestígio da trama espírita.

Espelho da Vida, apesar de amargar uma das piores posições em audiência na década, foi a campeã de prêmios na última safra de produções, levando categorias como “melhor novela” e “melhor atriz” para sua protagonista, Vitória Strada.
Contudo, esse não vai ser o mesmo destino de sua sucessora. Órfãos da Terra começou alardeada com cenas fortes e sequências impactantes, mostrando a Guerra na Síria e a tormenta dos refugiados. Com um drama aparentemente soturno para o horário das 18h, mostrou a morte de uma criança – o irmão mais novo da mocinha, Laila (Júlia Dalavia) – e uma paixão proibida por ameaças de um sheik poderoso e muito cruel: Aziz (Herson Capri) queria porque queria se casar com a jovem apaixonada por seu protegido, Jamil (Renato Góes).
A química inicial do casal de heróis também chamou atenção, bem como a direção e a fotografia da trama. Mas, de repente, como num passe de mágica, tudo mudou: Soraia (Letícia Sabatella), esposa de Aziz, foi assassinada pelo marido, encerrando precocemente seu promissor caso de amor proibido com Houssein (Bruno Cabrerizo). Aziz também morreu por volta do capítulo 30, vítima de um “quem matou?” desinteressante e que foi esquecido pelas autoras Duca Rachid e Thelma Guedes durante quase toda a narrativa.
Passados três anos, a novela começou a girar exclusivamente em torno da cansativa e interminável vingança da psicótica vilã Dalila (Alice Wegmann), filha do sheik Aziz, que não tinha outro objetivo senão a destruição de Laila e Jamil por motivos pouco convincentes. Rasgou-se, então, um sem fim de clichês dos mais surrados, como boa noite Cinderela, exame de DNA falsificado, perucas para fugir da polícia, sequestros, chantagens e fugas mirabolantes da cadeia com a ajuda de capangas que surgiam de lugar algum. A impressão que se tem é que Órfãos da Terra queimou o cartucho cedo demais, matando personagens como Aziz e Soraia, e “terminou antes de acabar”.
Outras novelas recentes também sofreram com o mesmo mal do folhetim das 18h. Começaram ótimas, encantadoras, mas perderam o gás e se mostraram sem estofo. Será que este é um sinal para que a Globo reveja a ideia de fazer folhetins realmente curtos, em torno dos 100 capítulos ou até menos?
O Outro Lado do Paraíso
A novela de Walcyr Carrasco foi um fenômeno na audiência, mas sofreu com críticas negativas por ter mandado a coerências às favas. Começou bem, com a deslumbrante direção de Mauro Mendonça Filho, em um cenário paradisíaco para contar uma história fortíssima, com alta potencialidade dramática: uma jovem corrompida era espancada e estuprada pelo marido, vítima de um complô capitaneado pela sogra e internada em um manicômio à beira de um abismo durante dez anos. Voltava, então, para eliminar um a um de seus algozes.
Os primeiros capítulos pareceram afugentar o público por sua extrema dramaticidade: todo mundo ali parecia ser profundamente infeliz. Passada a grande virada da protagonista, Clara (Bianca Bin) voltou em uma cena catártica para executar sua vingança, e a novela passou a investir em alguns núcleos cômicos, para garantir maior leveza. Algumas sequências macabras e exotéricas também foram removidas. Funcionou nos números, mas ficou devendo em qualidade.
A vingança de Clara até manteve um certo interesse do público em suas primeiras ações, mas logo a novela passou a orbitar em torno da doença nos rins da chatíssima irmã da mocinha, de tesouradas gratuitas distribuídas pela vilã Sophia (Marieta Severo) e por subtramas amorosas de personagens coadjuvantes com desserviços sociais e temáticas absurdas, tais como racismo, homofobia e virgindade feminina.
Segundo Sol
Sua substituta, assinada por João Emanuel Carneiro, também ficou devendo. Iniciou como uma novela solar, ambientada na Bahia, regada a muito axé e uma história interessante: um cantor caído no ostracismo que é dado como morto e explode em vendas. Para tanto, decide se fingir de morto mesmo. São teorias da conspiração como essa que permeiam a vida de astros já falecidos, como Michael Jackson.
Segundo Sol ainda prometia ser uma novela mais light e focada em histórias de amor e armações mais manjadas, como sequestro de criança e prisão injusta da mocinha, um prato despretensioso com relação à mirabolante e malsucedida novela anterior do autor: A Regra do Jogo (2015) não agradou com sua desinteressante e mirabolante facção criminosa. Porém, a trama minguou tão logo mudou de fase: a mocinha, Luzia (Giovanna Antonelli), era simplesmente inacreditável de tão burra e facilmente enganada pelas vilãs.
Abusou-se de recursos como descobertas inesperadas de parentescos entre personagens e a novela girou em um looping irritante que parecia querer fazer o público de bobo, em uma falsa agilidade: quando Luzia, no capítulo 100, foi inocentada do crime pelo qual respondia desde o início da novela, logo caiu em uma nova armadilha e passou a ser novamente acusada por um crime idêntico. E a trama do cantor de axé? Bem, foi esquecida…
O Tempo Não Para
A novela das 19h de Mário Teixeira pode ser considerada uma das maiores quedas do cavalo coletiva dos espectadores globais. Estreou alardeada por seu enredo inusitado: uma rica e tradicional família paulistana do final do século XIX sofre um acidente de barco e fica congelada em blocos de gelo. Desperta, intacta, em 2018, e precisa reaprender a viver em uma sociedade totalmente diferente daquelas que conheciam.
A novela apresentava tipos divertidos, como o dom Sabino (Edson Celulari), e o casal de mocinhos Samuca e Marocas (Nicolas Prattes e Juliana Paiva) agradava. Mas a novela parou de interessar quando passou o choque inicial dos personagens lidando com as descobertas do novo século.
A ficção científica, sem mais nada para explorar, deu lugar a uma história de amor que não ia para lugar nenhum, e tudo piorava por depender das tramoias de uma vilã de desenho animado: a obsessiva Betina (Cléo) passou a novela toda tentando assassinar Marocas de maneira exagerada e gratuita. Neste samba do crioulo doido, o vilão da novela morreu picado por uma cobra – e seu irmão gêmeo, ainda mais malvado – surgiu no capítulo seguinte, a personagem de Rosi Campos, 65 anos, forjou uma gravidez para segurar o marido e diversos personagens promissores simplesmente desapareceram.
Verão 90
Sua substituta também seguiu pelo mesmo caminho, mas com menos invencionices. Era uma trama extremamente simples, com personagens cômicos e caricatos, que parecia querer atrair o público apenas por nostalgia, já que era ambientada na década de 1990.
Cercada de referências, a história de Izabel de Oliveira e Paula Amaral esteve cercada de furos e erros cronológicos. Mas essa não foi a pior parte: passado um início relativamente promissor, em que a novela parecia disposta a se centrar em um crime que antagonizava os irmãos protagonistas, o herói João (Rafael Vitti) e o vilão Jerônimo (Jesuíta Barbosa), viu-se ali que a prisão injusta do mocinho durante três anos por uma armação do próprio irmão não serviu para absolutamente nada. Tampouco teria feito diferença se não tivesse ocorrido.
A novela largou a coerência de lado e passou a investir em uma série de esquetes esdrúxulos, como um doce de leite alucinógeno, shows de strip-tease dos Tigres Siberianos, um duque russo mafioso, referências constantes e quase incômodas à novela Vale Tudo (1988) e história zero: não existia um fio condutor mínimo que pudesse guiar os passos dos irmãos Guerreiros e de Manuzita (Isabelle Drummond). Em muitos momentos, casais coadjuvantes ficavam em destaque e tinham muito mais função na novela do que a própria heroína.
Bem ou mal, Verão 90 também viu sua audiência crescer a cada absurdo que era apresentado. O foco do público, no que se analisa dos números, está centralizado em histórias mais simples e de fácil digestão, para se esquecer dos problemas cotidianos ao se ligar a TV, mas algumas novelas, como Bom Sucesso, provam que é possível se fazer isso sem desafiar a paciência do espectador e sem tentar contar histórias de pouco rendimento em espaços de tempo de mais de 150 capítulos. Fica a dica, Globo: experimentem narrativas menores!
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