Em 1988, Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères lançavam uma das mais bem-sucedidas parcerias de todos os tempos. “Vale Tudo” estreava atirando uma pergunta incômoda na cara do espectador: vale a pena ser honesto no Brasil?
Trinta anos depois, a novela retorna pela segunda vez ao canal Viva e a pergunta continua pairando no ar. Sempre atual, já que se trata de um retrato realista de nosso país, a trama fez sucesso em todas as suas transmissões e volta agora em toda sua glória, pronta pra encarar uma nova geração de noveleiros.
Logo no primeiro capítulo nos deparamos com a secretária Aldeíde (Lília Cabral) reclamando da exploração de seu chefe, enquanto rouba rolos de papel higiênico no banheiro da empresa. A cena já dá o tom do que vem por aí, um retrato do povo brasileiro, que reclama da corrupção, mas não perde a oportunidade de levar alguma vantagem, mesmo que ínfima.
Temos como protagonistas duas personagens com personalidades antagônicas. Mulheres completamente diferentes, em polos morais opostos, com ideologias que se chocam e um ressentimento enorme que as separam. E o que é mais surpreendente: elas são mãe e filha.
A honestíssima Raquel (Regina Duarte) leva um golpe da jovem e ambiciosa Maria de Fatima (Gloria Pires), que vende sua casa sem seu conhecimento, deixando-a na rua e, assim é obrigada a recomeçar sua vida a partir da estaca zero numa nova cidade. Enquanto isso, a filha dá início à sua escalada social.
Ambas sobem na vida. Uma através do trabalho duro, a outra, através de uma série de mentiras, traições e falcatruas. Os caminhos são diferentes, mas o resultado final é o mesmo, duas mulheres de origem humilde alcançam o sucesso financeiro. Aí volta a pergunta impertinente: vale a pena ser honesto no Brasil?
Outra personagem de igual importância na trama é Odete Roitman. A vilã, cujo papel foi oferecido originalmente a Odete Lara e se chamaria Lucrécia, é até hoje o maior êxito e a maior maldição na carreira de Beatriz Segall, sua intérprete, que nunca conseguiu fugir de seu estigma. Também pudera, Odete Roitman pode ser considerada a maior vilã da dramaturgia brasileira.
E um dos motivos de tanto sucesso da personagem é que, embora à primeira vista ela pareça representar a elite brasileira, com toda sua arrogância e desprezo pelas classes ditas inferiores, numa análise mais profunda percebemos que a vilã é o alter ego do próprio povo brasileiro, que desdenha de tudo o que é produzido em seu próprio país e só valoriza o que vem de fora.
Com suas famosas tiradas, Odete ecoa as falas do próprio brasileiro, com seu complexo de vira-lata. Uma vilã cujo maior castigo foi ter sido enterrada no país que sempre rejeitou.
Mas “Vale Tudo” não é apenas uma crítica social, é um folhetim dos mais dramáticos. É a novela com a maior quantidade de cenas icônicas da história da tevê. Raquel rasgando o vestido de noiva da filha; Maria de Fatima rolando escadaria abaixo; Celina (Nathalia Timberg) invadindo o restaurante gritando “não toquem nessa maionese!”; e, é claro, o assassinato de Odete Roitman.
Uma verdadeira aula de dramaturgia, uma história cheia de amor, humor e suspense, tudo na dose certa, que num único capítulo te emociona, te diverte e te deixa indignado. Uma novela que entretém, emociona, mas também te cutuca e que várias vezes te faz questionar: vale a pena ser honesto no Brasil?
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